Iave quis impedir notas “demasiado elevadas” e conseguiu aumentando o número de perguntas obrigatórias. Alunos deste ano podem sair prejudicados no acesso ao superior face aos que se recandidatam usando a nota de 2020
Iave quis impedir notas “demasiado elevadas” e conseguiu aumentando o número de perguntas obrigatórias.
Alunos deste ano podem sair prejudicados no acesso ao superior face aos que se recandidatam usando a nota de
2020.
“Apelamos aos reitores para que em conjunto façam o possível e impossível para aumentar o número de vagas nos
cursos de médias mais elevadas.” Este é o repto lançado pela Sociedade Portuguesa de Matemática para que se
corrija a situação de desigualdade no acesso ao ensino superior em que ficaram os alunos que fizeram exame este
ano e que saíram da prova com uma média de 10,6, quando em 2020 este valor foi de 13,3.
“É um problema de justiça. Os alunos deste ano não podem ficar fora do curso em que entrariam em condições
normais apenas pelo facto de matemática ter um exame muito mais difícil este ano”, justifica o presidente da SPM,
João Araújo, que logo no dia do exame de Matemática A propôs um aumento do número de vagas no ensino
superior de modo a não prejudicar os alunos que foram a exame este ano face àqueles que se irão recandidatar ao
concurso de acesso utilizando a nota de 2020.
Apesar de o Instituto de Avaliação Educativa (Iave, responsável pela elaboração das provas) ter garantido que os
exames deste ano não seriam mais difíceis, tanto a SPM como a Associação de Professores de Matemática (APM)
alertaram logo que não foi o que aconteceu com a prova da disciplina, realizada por 34.124 alunos.
“Era para mim expectável a descida acentuada das médias. No entanto é assustadora a descida da moda [a nota
mais repetida] - de 190 para 100 pontos [19 para 10 valores]”, exclama a professora de Matemática do secundário,
Teresa Moreira, que em Julho comentou o teor do exame em nome da APM.
Frisando que esta é a sua opinião pessoal, a docente da Escola Secundária Camões, em Lisboa, não tem dúvidas de
que “estas descidas acentuadas terão consequências imediatas quando comparamos as condições de acesso ao
ensino superior dos alunos destes dois anos”. “Os não colocados do ano passado entrarão à frente dos alunos que
realizaram pela primeira vez exame este ano”, alerta.
Houve uma descida generalizada das médias dos exames realizados este ano, mas entre as que tiveram mais alunos
em prova Física e Química foi a única que desceu abaixo dos 10 valores. A média ficou-se nos 9,8 por comparação
aos 13,2 de 2020. Para a presidente da Sociedade Portuguesa de Física, Conceição Abreu, esta variação mostra que é
necessário “afinar as provas de exame de modo a que não tenham muitas perguntas optativas [como aconteceu em
2020], nem tantas de resposta obrigatória mais trabalhosas [como neste ano]”.
Embora os exames de Julho tenham seguido o mesmo modelo de 2020, com um grupo de questões opcionais em
que só foram contabilizadas as melhores respostas, o Iave, responsável pela elaboração dos exames, aumentou o
número de perguntas obrigatórias. Esta foi a forma de impedir os alunos de “fugirem” às matérias que não
dominavam e evitar assim as notas “demasiado elevadas” registadas no ano passado.
Em resposta ao PÚBLICO, o presidente do Iave Luís Pereira dos Santos considera que os resultados dos exames dão
“boas indicações sobre a adequação das decisões técnicas implementadas nas provas, tendo em consideração a
situação lectiva vivida no presente ano escolar, a qual se pode considerar algo diferente do contexto de
aprendizagem vivido pelos alunos durante o primeiro confinamento, em 2020”.
“As provas de exame são construídas tendo por objectivo a melhor representação possível do currículo de cada
disciplina, bem como dos vários graus de complexidade cognitiva envolvidos nos processos de aprendizagem dos
alunos. Neste sentido, a média dos resultados obtidos pelos alunos e a distribuição das classificações reflectem
essa representatividade”, adianta este responsável.
“A Física é por demais bonita e essencial para não ter o seu lugar nas médias positivas”, desabafa Conceição Abreu.
Devido à existência de muitas perguntas trabalhosas de carácter obrigatório, a SPF já tinha antecipado a descida da
média no parecer divulgado no dia em que se realizou este exame do 11.º ano, a que compareceram 32.802 alunos.
Esta é utilizada como prova de ingresso em muitos cursos da área das engenharias e da saúde.
Critérios foram “melhorados"
“Temos de trabalhar para que, nos próximos anos, os alunos que escolhem Física e Química tenham mais sucesso. E
esse trabalho tem de ser de imediato porque para o ano, os alunos que vão chegar ao 11.º apanharam a pandemia
ainda no 9.º e há um enorme deficit na componente experimental”, alerta Conceição Abreu que realça assim a
importância da parte prática: “fazer para melhor compreender”.
A descida da média de 14 para 12 valores no exame de Biologia e Geologia, do 11.º ano, também não surpreendeu o
presidente da associação de professores da disciplina. “A média de 12, 2 valores abaixo da de 2020, está em linha
com aquilo que foi a posição pública assumida pelo Instituto de Avaliação Educativa, tendo em conta aquele valor de
2020” aponta Adão Mendes.
Na altura do exame, a Associação Portuguesa de Professores de Biologia e Geologia (APPBG deu a conhecer que ia
propor uma “melhoria” dos critérios de correcção da prova de modo a que estes completassem “algumas
possibilidades não previstas” no documento inicial e não prejudicassem assim “os alunos que se esforçaram por
desenvolver os chamados itens de construção [desenvolvimento] face aos que privilegiaram as perguntas de escolha
múltipla”.
Adão Mendes adianta agora que estas sugestões foram “bem acolhidas” pelo Iave. Pelo segundo ano consecutivo, o
exame de Biologia e Geologia, que serve de ingresso para os cursos de saúde, foi a prova mais concorrida, tendo sido
realizada por 36.517 alunos. Apesar das “melhorias” introduzidas nos critérios de correcção, os chumbos sofreram
um aumento de 82%.
Português, Filosofia e História são excepções à regra
Antes da pandemia, por ser obrigatório para todos os alunos, o exame de Português do 12.º ano era o que reunia
mais alunos. Posição que não manteve nem em 2020, nem em 2021 devido às alterações do carácter destas provas:
deixaram de contar para a conclusão do ensino secundário, servindo apenas como provas de ingresso no superior.
Ainda assim, com 34.318 alunos, foi a segunda prova mais concorrida e a única no lote das mais procuradas que
escapou à descida das médias. Obteve 12 valores, o mesmo resultado de 2020 e não muito distantes dos valores
registados nos últimos anos antes da pandemia, onde as médias rondaram os 11 valores.
“As classificações de Português costumam sofrer menos flutuações do que as de outras disciplinas porque
dependem sobretudo de competência e da capacidade de escrita, que não se inventa de um momento para o outro
e que pode também ser trabalhada à distância”, comenta o novo presidente da associação de professores da
disciplina, Luís Redes.
No parecer divulgado em Julho, a Associação de Professores de Português chamou a atenção para “a elevada
quantidade de questões de escolha múltipla – 9 itens num total de 15”: “Numa prova de língua talvez seja
demasiado.”
Nos exames deste ano, Filosofia foi também uma das excepções: apesar da média ter baixado, por comparação a
2020, 0,8 valores para 12,2 manteve-se acima do que era habitual antes de 2020. Em 2019 e 2018, por exemplo, as
médias foram de 9,8 e 11,1, respectivamente.
“Desde que a média de Filosofia voltou a ser nota de acesso ao ensino superior, as classificações têm vindo a
aumentar; sobretudo há mais alunos com notas mais altas”, explica o presidente da Sociedade Portuguesa de
Filosofia, José Meirinhos, que atribuiu a ligeira descida face a 2020 pelo facto de o exame de Julho passado ter “mais
perguntas de resposta obrigatória”.
Também História A aguenta-se no barco. A média do exame deste ano foi de 12,9, menos 0,5 do que a de 2020. Mas
tal não constitui motivo de regozijo para o presidente da Associação de Professores de História, Miguel Barros. Tal
como já alertara na altura do exame, afirma agora que “as boas classificações obtidas se devem, essencialmente, ao
facto de o Iave ter decidido menorizar as questões de composição em detrimento das de selecção [escolha múltipla],
reduzindo a classificação das primeiras”.
“É uma subida que não reflecte uma melhoria efectiva das aprendizagens. É, apenas, uma questão cosmética e que
prejudica os alunos que se esforçam por ‘perder’ tempo a responder às questões de composição”, lamenta
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