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23/06/2021

Equidade nas escolas: “Há uma assimetria gritante entre o Norte e o Sul”

 Com a pandemia, “os alunos de condição socioeconómica baixa vêem o hiato aumentado em relação aos mais favorecidos”. É o que revelam um estudo que será em breve apresentado, diz o secretário de Estado adjunto e da Educação João Costa.

ATUALIDADE - Jornais: por Andreia Sanches
Equidade nas escolas: “Há uma assimetria gritante entre o Norte e o Sul”
Com a pandemia, “os alunos de condição socioeconómica baixa vêem o hiato aumentado em relação aos mais favorecidos”. É o que revelam um estudo que será em breve apresentado, diz o secretário de Estado adjunto e da Educação João Costa.
“É aí que temos que pôr os ovos todos: no cesto das desigualdades.” João Costa, secretário de Estado Adjunto e da Educação, diz que o ministério está a trabalhar para ter “sistemas de alerta de abandono escolar o mais rapidamente possível”.
Já sabemos, pelos primeiros resultados de um estudo que apresentaram recentemente sobre o impacto da pandemia e do ensino à distância em 2020, que menos de metade dos alunos do 6.º e 9.º anos mostrou ter o nível esperado em conhecimentos elementares. Já tem alguma pista sobre o impacto do ensino à distância especificamente nos alunos mais pobres?
Já e serão apresentados em breve esses resultados. Na análise do Iave em função dos contextos socioeconómicos dos alunos e em função do contexto do ensino público e privado, o que encontrámos foi isto: mais uma vez, os alunos de condição socioeconómica baixa vêem o hiato aumentado em relação aos mais favorecidos. É aí que temos que pôr os ovos todos: no cesto das desigualdades. Se há alguns que têm estímulos familiares e a capacidade de aceder a serviços educativos de outra forma, há aqueles que dependem exclusivamente da escola.
Ver a primeira parte desta entrevista: temos um problema com o “modelo de recrutamento de professores” e é preciso mudá-lo
Há um plano de recuperação das aprendizagens que está a ser preparado. Quando é que é apresentado e posto em prática?
Este mês de Maio. Temos estado a fazer audições, com professores, alunos, directores, com o grupo de trabalho que foi nomeado, com representantes de pais, com outros países, para depois apresentarmos este mês e haver tempo para preparar o próximo ano lectivo.
Há quem considere que vem tarde. Os alunos estão a acabar a escola.
Em Julho do ano passado definimos medidas para este ano lectivo já prevendo que era um ano em que estávamos a recuperar de um ano de pandemia. As escolas tiveram um alargamento da flexibilidade, crédito horário, tutorias, técnicos especializados, e esses recursos estão nas escolas e podem ser mobilizados. E temos vindo a publicar no site de apoio às escolas muito recursos auxiliares para organização de estratégias de recuperação. Agora, isto que definimos em Julho foi para recuperar de um ano. E agora vamos estar a recuperar de dois. E as medidas têm de ser ainda mais intensas.
Os estudos sobre o impacto da pandemia foram feitos testando alunos do ensino básico. Sabe alguma coisa sobre o impacto nos alunos do ensino secundário, alguns dos quais vão sair do sistema agora? Sabemos qual foi a taxa de insucesso?
Ainda não, porque esses dados são sempre consolidados só um ano depois.
Pois, mas neste contexto absolutamente excepcional, não era ainda mais importante que esta máquina no ministério estivesse oleada para dar aos decisores dados que lhes permitam actuar rapidamente, em tempo útil?
Está a desejar o mesmo que eu.
Formou-se aqui uma equipa no ministério que está a trabalhar nisto: como é que podemos ter sistemas de alerta de abandono o mais rapidamente possível. Está a ser feito, implica muita gestão de plataformas e de movimentação de dados. Sendo que há sempre um atraso: uma criança em abandono não vai uma semana, depois a escola contacta a família, depois tem de se contactar a CPCJ [Comissão de Protecção de Crianças e Jovens] se não há respostas… sendo que este ano acelerámos o período de sinalização e os dados muito preliminares que temos não nos mostram grande desnível de abandono escolar. Mas não são dados consolidados.
Em termos de insucesso escolar, não sabemos nada, então.
Ainda não.
Equidade nas escolas: "O que é que eles estão a fazer no Norte que não estamos a fazer cá? Há escolas que conseguem fazer diferença."
Tem receio do que esses dados vão revelar?
Não tenho receio dos dados, preocupa-me a realidade. Não me parece que as escolas tenham optado por reprovar alunos no contexto em que estamos. Mas o que sabemos é que [os alunos] terão aprendizagens comprometidas. As escolas terão feito uma avaliação justa, dado o contexto, mas há dimensões que não foram suficientemente aprofundadas.
Nos próximos anos vamos ter de fazer escolhas, identificar o que ficou por fazer para não comprometer o futuro.
Porque é que o Ministério da Educação, no novo indicador da equidade que criou este ano, compara a conclusão em tempo normal dos ciclos e os percursos directos de sucesso dos alunos com ASE com os de outros alunos com ASE em vez de comparar os resultados dos alunos com ASE com os que não têm ASE?
Acho que é pelo que pode ser novo (mas isso pode ser uma extensão futura deste indicador). Eu já sei que há um gap entre alunos carenciados e mais ricos, digamos assim; o que nos interessa é saber se a pobreza é fatal, ou seja, “se és pobre, não aprendes” e, por isso, interessa-nos comparar escolas com alunos com o mesmo perfil socioeconómico. E aquilo que vemos, por exemplo, é uma assimetria entre o Norte e o Sul gritante. Por exemplo, no meu distrito, Setúbal, é uma desgraça. E isto permite-nos perguntar: o que é que eles estão a fazer no Norte que não estamos a fazer cá? Há escolas que conseguem fazer diferença, que contrariam mais o perfil.
Agora não, por causa da pandemia, mas eu estava a fazer 100 mil km por ano em visitas a escolas, e não era para ir ouvir os meninos a cantar, era ir com os indicadores, sentar-me com as escolas e analisar.
Há uma coisa muito clara quando comparamos rankings com o indicador da equidade: é a diferença entre [a perspectiva de que] a escola é um campeonato individual ou é um espaço para tentar puxar ao máximo os outros…
Que consequências vai o ministério tirar da leitura deste indicador?
Vamos continuar o trabalho que temos feito: alimentar as escolas com estes dados, promover debate sobre os mesmos. Agora não, por causa da pandemia, mas eu estava a fazer 100 mil km por ano em visitas a escolas, e não era para ir inaugurar nada ou ouvir os meninos a cantar, era ir com os indicadores, sentar-me com as escolas e analisar. Um exemplo: numa escola de Trás-os-Montes, com péssimos resultados, reunimos nove professores, que nos disseram: “Ah, temos falta de recursos”, e eu puxei os dados: “Têm um rácio de um professor para cada sete alunos…”
Por que razão é no 3.º ciclo que os alunos com ASE mais se afundam? Só há oito concelhos onde pelo menos 50% dos alunos conseguem percursos de sucesso: Vila Nova de Paiva, Tondela, Sever do Vouga, Ponte de Lima, Alvaiázere, Ferreira do Zêzere, Aguiar da Beira, Esposende.
É preciso agir o mais cedo possível. Essa é a orientação. O que acontece no 3.º ciclo é que já trazem acumulada uma série de lacunas. Não me interessa esperar pelo 4.º ano e fazer um exame para ver se aprenderam, interessa-me sim agir logo no 1.º ano. O que temos em termos de pandemia para os anos iniciais é muito preocupante, as competências na leitura são essenciais e são as mais afectadas nos anos essenciais. Agir o mais cedo possível, essa é a aposta.

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